Imagine que uma pessoa comprou um imóvel, através de financiamento junto a um banco, sendo acertado o pagamento através de várias prestações. Enquanto ela reside e aproveita o seu novo imóvel, vai pagando mensalmente as prestações do financiamento. Muito comum, certo?
Agora vamos imaginar que esta pessoa (adquirente) deve determinada quantia a você, mas não tem como pagar esta dívida. Todos os seus investimentos são despendidos ao financiamento do imóvel junto ao banco e não tem bens em seu nome para responder, sendo completamente inviável para você receber qualquer dinheiro desta pessoa. Você conseguiria penhorar e levar à leilão o imóvel da devedora? Afinal, o imóvel é dela, não é mesmo? Ele está na matrícula e possui a escritura da compra e venda, inclusive paga regularmente as taxas de condomínio, IPTU e tudo mais. Às vezes até já alugou o imóvel para terceiros...
A resposta correta para esta pergunta é: Não. O imóvel não é dela. Pelo menos não para todos os fins legais.
Nos casos de imóveis com alienação fiduciária (financiamento), juridicamente são considerados de propriedade da instituição financeira, denominada no universo jurídico como credora fiduciária, isto é, o banco pagou para o vendedor o valor do imóvel e cobra ao adquirente do imóvel, através de juros e prestações mensais. No final das contas, o banco acaba recebendo quase o triplo do valor do imóvel em razão dos juros nas prestações, o vendedor recebe o valor total do imóvel do banco e o adquirente consegue pagar aos poucos durante um longo tempo, sem precisar pagar à vista o imóvel. Todos saem ganhando! Menos você. Como você pode receber aquela dívida que o adquirente do imóvel tem contigo?
Infelizmente você não vai conseguir judicialmente a penhora e leilão do imóvel da devedora, pois o entendimento jurisprudencial é de que, enquanto esta não quitar integralmente as prestações do financiamento junto ao banco, ela não será considerada proprietária do imóvel, mas sim, mera adquirente com direito de posse (propriedade resolúvel). Por isto, como o imóvel é juridicamente considerado como de propriedade do banco, não poderia o banco ser prejudicado por uma dívida que não deu causa.
Inclusive este é consolidado entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“O bem objeto de alienação fiduciária, que passa a pertencer à esfera patrimonial do credor fiduciário, não pode ser objeto de penhora no processo de execução, porquanto o domínio da coisa já não pertence ao executado, mas a um terceiro, alheio à relação jurídica” (RECURSO ESPECIAL Nº 916.782 - MG (2007/0008123-1))
Embora possa ser revoltante aos olhos do credor, que sabe que o adquirente está pleno e tranquilo vivendo em um imóvel novo e você sem ver a cor do dinheiro que tem direito, ainda há uma saída no final do túnel!
Tudo bem que já vimos que não é possível a penhora do imóvel, em si, mas a jurisprudência atualmente entende que é possível a penhora sobre os direitos contratuais que o adquirente tem perante ao banco.
Vamos novamente ao entendimento do Judiciário:
Despesas condominiais. Ação de cobrança. Cumprimento de sentença. R. despacho que indeferiu a penhora da unidade condominial, por haver alienação fiduciária pendente sobre esta (Caixa Econômica Federal). Penhora que deve recair sobre direitos da devedora, derivados de alienação fiduciária imobiliária, mas não sobre o bem imóvel. (Agravo de Instrumento 2237089-15.2018.8.26.0000 - 27ª Câmara de Direito Privado -TJSP)
Mas o que isto quer dizer?
Isto quer dizer que embora você não possa receber efetivamente qualquer valor da devedora, você tem o direito de adjudicar todas as prestações já pagas por ela ao banco e quitar sozinha o restante das prestações para ter para si o imóvel. Confuso?
Vamos supor que o imóvel valha R$300.000,00 e a adquirente/devedora já pagou, através das prestações, R$200.000,00 ao banco a título de financiamento. Posteriormente a isto, você, através de um(a) bom advogado(a), pediu em juízo a penhora sobre os direitos contratuais da adquirente/devedora com a consequente adjudicação das prestações já pagas por ela. Já que você tem para si os direitos contratuais da adquirente/devedora, poderá você ser considerado como o pagador dos R$200.000,00, podendo manter o contrato com o pagamento das prestações restantes. Ou seja, no final das contas, você poderá comprar um imóvel de R$300.000,00 por apenas R$100.000,00. Após o pagamento total, será adjudicado o imóvel, sendo você considerado de pleno direito o legítimo proprietário do bem, podendo ainda, se quiser, vender o imóvel.
A depender da situação, esta saída pode ser, além de tudo, lucrativa para o credor, que apesar de ter um crédito frustrado a receber de um devedor, conseguiu comprar um imóvel a preço baixo, podendo vendê-lo a preço de mercado, auferir lucro através de locações ou até utilizar para a sua moradia.
É sempre importante o acompanhamento técnico e personalizado de um(a) advogado(a) em casos como estes, pois o que pode parecer o fundo do poço ou o beco sem saída, se analisado por um bom profissional, pode ser a solução ideal e perfeita para o seu problema!
Comments